Ives Gandra da
Silva Martins: Bento 16

Ao contrário do poder humano, que quem
o detém luta para nunca perdê-lo, o poder na Igreja Católica é só o de servir,
o que impõe a quem esteja no lugar de Pedro a disponibilidade total, porque o
poder não é um bônus, mas um ônus, carregado de responsabilidade e dedicação.
Bento 16 talvez tenha sido, em 2.000
anos de história da igreja, o pontífice mais culto e o que mais escreveu. Sua
obra é mais variada e mais abrangente que a de todos os demais pontífices.
Filósofo, teólogo e humanista, foi profundo e persuasivo em todos os seus
escritos.
Não sem razão, ainda cardeal, foi
eleito como um dos dois únicos sacerdotes da Academia de Ciências do Vaticano
--à época em que o brasileiro Crodowaldo Pavan era um dos 80 membros do
sodalício--, que contava também com 29 Prêmios Nobel entre os seus acadêmicos.
Suas encíclicas, todas elas, sem exceção, mostram o perfeito conhecimento de
todos os problemas da realidade mundial a partir do homem, apresentando sábias
soluções e exortando os homens de boa-fé a procurarem os verdadeiros e
permanentes valores da humanidade.
Após o papado de um pontífice da
exuberância e da fantástica capacidade de comunicação que foi o de João Paulo
2º, o mundo conheceu a reflexão e o aprofundamento na atualidade da mensagem da
Igreja Católica graças ao humanismo e à santidade de Bento 16.
Passou-se da expansão da obra do pontífice
anterior à consolidação da modernidade da mensagem católica pregada em todos os
espaços. João Paulo 2º lançou um novo estilo de abraçar o mundo inteiro com sua
presença e seu carisma. Bento 16 consolidou tal abraço universal, com a clareza
de suas lições, reflexões e evangelização, atingindo a todas as classes
sociais, como vimos no Brasil, em 2007, e nas diversas Jornadas Mundiais da
Juventude, a que milhões de jovens compareceram para ouvi-lo.
Prova dessas meditações é o seu
excepcional livro sobre Cristo (em três volumes). Ao descrever Sua vida narrada
pelos quatro Evangelhos, descobre e desvenda facetas novas e surpreendentes de
Seu magistério, em demonstração de que, apesar de decorridos mais de 2.000 anos
desde a fundação da igreja, há sempre muito a descobrir.
É interessante notar que, depois que a
Igreja Católica Apostólica Romana perdeu os Estados Pontifícios, quando do
pontificado de Pio 9º, foi então que sua força espiritual tornou-se mais
intensa e todos os papas que o sucederam, sem exceção, marcaram a história da
humanidade com a força das suas encíclicas e de suas lições. Leão 13, por
exemplo, com a "Rerum Novarum", promoveu a verdadeira revolução
social, sem ódios, nem rancores.
Bento 16 deixa um fantástico legado de
escritos serenos, tendo sempre sabido enfrentar, com prudência e sabedoria, os
humanos problemas que todas as instituições enfrentam, respondendo, com
serenidade, a críticas e ataques e estimulando a santidade da esmagadora
maioria dos sacerdotes, em todas as nações.
O gesto de renúncia mostra quão sábia
foi a sua eleição pelo Colégio Cardinalício, pois exibe para o mundo o que deve
ser o vice-Cristo na Terra: condutor de almas e de homens, com desprendimento e
amor, ação e oração. E esse legado, no gesto de profunda humildade, servirá,
inclusive, de orientação para os 118 cardeais a quem caberá, sob a inspiração
do Espírito Santo, a responsabilidade de escolher o novo pontífice. Sem saber
quem será, sei apenas que conduzirá santamente a Igreja de Cristo.
*IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 77,
advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra.
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