CARTA FINAL DO 13º
INTERECLESIAL DE COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE DO BRASIL AO POVO DE DEUS
Irmãs e irmãos da caminhada,
“Maria pôs-se a caminho ... entrou na casa e saudou
Isabel ... bem aventurada tu que acreditaste ... as crianças estremeceram de
alegria no ventre ...” (cf. Lc 1,39-45).
Em atitude romeira, o povo das Comunidades Eclesiais
de Base de todos os cantos do Brasil colocou-se a caminho respondendo ao
chamado da grande fogueira acesa pela Diocese de Crato-CE, convocando para o
13º Intereclesial.
A luz da fogueira alumiou tão alto que fez acorrer
representantes de Igrejas irmãs evangélicas e de outras religiões. Até foi
avistada em toda a América Latina e Caribe, Europa, África e Ásia.
O Cariri, “coração alegre e forte do Nordeste”, se
tornou a “casa” onde se encontraram a fé profunda do povo romeiro, nascida do
testemunho do padre Ibiapina e do padre Cicero, da beata Maria Madalena do
Espírito Santo Araújo e do beato Zé Lourenço, com a fé encarnada do povo das
CEBs nascida do grito profético por justiça e da utopia do Reino.
Houve um encontro entre a Religiosidade popular e a
Espiritualidade libertadora das CEBs.
As duas reafirmaram seu seguimento de Jesus de
Nazaré, vivido na fé e no compromisso com a justiça a serviço da vida.
Bem aventurado o povo que acreditou!
A moda da viola e da sanfona cantou este acreditar.
As palavras de dom Fernando Panico, bispo de Crato, na celebração de abertura
confirmaram este acreditar, proclamando: as CEBs são o jeito da Igreja ser.
As CEBs são o jeito “normal” da Igreja ser. Jeito
normal de o povo de Deus responder no hoje à proposta de Jesus: ser comunidade
a serviço da vida.
Ao ouvir a proclamação desta boa noticia, o ventre do
povo que veio em romaria para Juazeiro do Norte ficou de novo grávido deste
sonho, desta utopia.
A esperança foi fortalecida. A perseverança e a
resistência na luta foram confirmadas. O compromisso com a justiça a serviço do
bem-viver foi assumido.
E a alegria estourou como fogos a vista e do meio da
alegria escutamos a memória da voz querida de dom Helder Câmara, a se fazer
ouvir: Não deixem a profecia cair! Não deixem a profecia cair!
A profecia não caiu. Ecoou nas palavras do índio
Anastácio: “Roubaram nossos frutos, arrancaram nossas folhas, cortaram nossos
galhos, queimaram nossos troncos, mas não deixamos arrancar nossas raízes.”
Raízes indígenas e quilombolas que afundam na memória
dos ancestrais, no sonho de viver em terras demarcadas, livres para dançar,
celebrar e festejar a terra que é mãe.
Emergiu a memória do padre Ibiapina, que já
incentivava a construção de cisternas de pedra e cal e o plantio de árvores
frutíferas, para conviver com a realidade do semiárido. Reanimava assim a
esperança e a dignidade do povo sertanejo.
O protagonismo da beata Maria Araújo canalizou os
desejos mais profundos de vida e vida em abundância, o que incomodou os grandes
e a hierarquia eclesiástica.
O padre Cícero e o beato Zé Lourenço continuaram
acolhendo os excluídos no mesmo espirito de Ibiapina.
Organizaram a comunidade do Caldeirão movida pela fé,
trabalho, fartura e liberdade. Esta forma de convivência com o semiárido tem
continuidade nas CEBs, nas pastorais e entidades comprometidas com os pobres,
A profecia ecoou na análise de conjuntura, que levou
a constatar que o Brasil ainda precisa reconhecer que no campo e na cidade, não
basta realizar grandes projetos.
O grande capital prioriza o agro e hidronegócio e as
mineradoras, continuando a expulsar do campo para concentrar as pessoas nas
cidades, tornando-as objeto de manipulação e exploração, de concepções
dominadoras e produtoras de profundas injustiças.
O povo continua sendo despojado de sua dignidade:
seus filhos e filhas definham no mercado das drogas e no tráfico de pessoas; é
destituído de seus direitos à saúde, educação, moradia, lazer; a juventude é
exterminada, obscurecendo a possibilidade de se projetar no futuro por falta de
oportunidades; ainda existem preconceitos e outras violências marcam as
relações de etnia, cor, idade, gênero, religião. Percebemos que transformar os
cidadãos e cidadãs em consumidores é ameaça para o “Bem Viver”.
Ranchos (miniplenários) e chapéus (grupos) tornaram-se
espaços de partilha das experiências de busca para compreender a sociedade que
é o chão onde as CEBs labutam e vivem.
E nos passos de padre Cícero, as CEBs se tornaram
romeiras nas veredas do Cariri, conhecendo realidades e comunidades;
vivenciando a firmeza dos mártires e profetas; experimentando a partilha e a
festa do jeito que o povo nordestino sabe fazer.
A sabedoria dos patriarcas e das matriarcas nos
acompanhou resgatando a memória e orando: “Só Deus é grande”, “Amai-vos uns aos
outros”.
A grandeza de Deus se revela nos romeiros, povo
sofrido que ao assumir a organização da romaria, na prática da solidariedade,
na reza e no canto dos benditos se torna protagonista e ressignifica o espaço
da vida diária.
O amor é manifestado na profecia da mulher que no
acariciar, no amassar o pão, na liderança e revolução carrega em seu ventre
nossa libertação; na profecia que por amor à justiça se torna ecumênica; em
Jesus de Nazaré que por primeiro viveu a justiça e a profecia a serviço da vida
e nos desafia a sermos CEBs Romeiras do Reino no campo e na cidade.
A vivência comunitária no terreiro do semiárido
renovou nosso acreditar. Exultamos de alegria como as crianças que saltaram de
alegria no ventre das mães vislumbrando o novo. O Reino se fez presente no meio
de nós.
Seus sinais estão presentes na irmandade: oramos e
refletimos, reavivamos à nossa frente rostos de mártires e profetas da
caminhada, refletimos e debatemos, formamos a mesma fila para comer juntos a
gostosa comida do Cariri, à mesma pia lavamos nossos pratos. Na circularidade
do serviço, do canto, do testemunho reafirmamos o compromisso de ser CEBs:
Romeiras do Reino, profetas da justiça que lutam pela vida, a serviço do
bem-viver, sementes do Reino e da sua Justiça, comunidades profetas de esperança
e da alegria do Evangelho.
Romeiros e romeiras sempre voltam para seu chão,
repletos de fé e esperança. Nós também voltamos como romeiros e romeiras
grávidos da utopia do Reino que é das CEBs. Voltamos para nosso chão, com uma
mensagem do papa Francisco, bispo de Roma e Primaz na Unidade.
Dele recebemos reconhecimento, encorajamento, convite
a continuarmos com pisada firme a caminhada de sermos Igreja Romeira da justiça
e profecia a serviço da vida.
Juntamo-nos à voz de Maria que louvou ao Deus da vida
que realiza suas maravilhas nos humilhados.
Unamos nossas vozes á sua para com ela derrubar os
poderosos de seus tronos e elevar os humildes, despedir os ricos de mãos vazias
e encher de fartura a mesa dos empobrecidos.
Irmãs e irmãos, vos abraçamos com amorosidade.
Amém,
Axê, Auerê, Aleluia!
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