
Declaramos
guerra às religiões africanas, sustentáculo da fé baiana. Guerra à Igreja
Católica, nossa maior inimiga. E guerra até mesmo às igrejas protestantes, como
a pentecostal Deus é Amor, que nós tachávamos de "candomblé
evangélico", e a Assembleia de Deus, para nós um bando de
"crentões" e "fanáticos". Nas rodinhas de pastores sempre
aparecia alguém contando alguma piada de profundo mau gosto sobre as mulheres
da Assembleia de Deus, que, diziam, não se depilavam e não usavam desodorante
por considerarem pecado.
A
Igreja Universal, onde era proibido proibir, era apresentada como o único
caminho da felicidade. A verdadeira igreja de Cristo ou "o vinho
novo", como gostávamos de anunciar.
Jogávamos
pesado nos programas de televisão. Quebrávamos imagens de santos católicos e,
durante os cultos, queimávamos as roupas d candomblé e colares de miçangas
levados pelos filhos-de-santo que se convertiam. O povo vibrava. Nós o fazíamos
vibrar.
Não
é preciso repetir aqui que o povo gosta de pão e circo.
Desenvolvi
um estilo. Defini um discurso simples, mas poderosamente convincente para levar
a mensagem da Igreja. Isso me rendeu o cargo de terceiro pastor no Aquidabã.
Acima de mim, apenas os pastores Paulo e Gonçalves. Líder e vice-líder.
A
promoção me conferia um status. Por exemplo, passei a conduzir reuniões com
centenas de pessoas, além de apresentar programas nas rádios Cruzeiro e
Excelsior e participar do Despertar da fé, na TV Itapoan. Nos fins de semana,
viajava pelo interior do estado fazendo campanhas de evangelização, lotando
templos por onde quer que passasse.
Considerando
que eu estava na Igreja há pouco mais de um ano, minha escalada era meteórica.
Meus dias de dormir sobre assoalho gélido e bancos de madeira haviam chegado ao
fim. Logo passei a dividir um confortável apartamento com o pastor Gonçalves e
outros dois pastores. As roupas surradas que eu usava deram lugar a ternos de
grife e, num piscar de olhos, me vi frequentando restaurantes finos e viajando
de avião.
A
primeira vez que voltei a São Gonçalo desde que me mudara para a Bahia foi
memorável. Cheguei à Boa Vista com uma mala cheia de presentes para minha
família e amigos. Naquele dia, transformei-me na sensação da rua. Velhos
conhecidos e vizinhos vieram só para me ver. Do alto do meu pedestal, eu
criticava a poeira e o calor daquele lugar. E exaltava as maravilhas da
civilização moderna. De como era confortável viver com telefone. Assistir à
televisão em um aparelho que mostrava dois canais ao mesmo tempo. E, o que é o
progresso, ter na cozinha uma geladeira que não precisava abrir a porta para
tirar a água.
Alguns
me chamaram de ladrão, mas eu não dei ouvidos às "vozes da inveja",
como diziam meus pais, orgulhosos do filho que estava na Bahia falando para
multidões em rádio e televisão. "Graças a Deus", diziam eles,
"nosso filho não é como Ney ou Denilton, que só dão desgosto aos
pais".
O
sucesso da Igreja e dos programas de rádio e televisão estava baseado na
fórmula infalível criada pelo bispo Macedo: a terapia espiritual. Trabalhávamos
diretamente com as emoções das pessoas. Por isso muitas pessoas afirmam que
quando ouvem o rádio sentem como se o pastor estivesse falando diretamente com
elas. Na nossa programação comentávamos, ao som do piano de Richard Clayderman
ou da flauta de Zamfir, os problemas que afligem a maioria dos humanos:
desemprego, vícios, doenças, problemas conjugais e financeiros. Depois de um
debate no qual discutíamos os efeitos desses problemas na vida das pessoas,
apresentávamos a solução para tudo isso como uma única visita a um dos
endereços da Igreja. Uma vez que a pessoa ia à igreja, ela era orientada a
fazer uma corrente de doze semanas. Corrente na qual ela viria a se tornar
emocionalmente presa. Os que quebravam essa corrente imediatamente passavam a
ter visões e ouvir vozes. Como Hollywood, nós sabíamos explorar o medo infantil
que as pessoas têm da figura do diabo.
Informado
do sucesso na Bahia, o bispo Macedo resolveu marcar uma concentração no maior
estádio de Salvador. Ele havia acabado de lotar o Maracanã. E estava disposto a
lotar todos os estádios das grandes capitais. Dois meses antes começamos a
trabalhar na promoção do que seria o maior de todos os nossos desafios: lotar o
Fonte Nova. Queríamos mostrar aos padres, pastores, pais e mães-de-santo da Bahia
que o reinado deles havia acabado. Éramos nós quem dávamos as cartas agora.
Também queríamos mostrar aos pastores da própria Universal em outros estados
que nós, da Bahia, éramos os melhores.
Todos
os pastores do interior ficaram incumbidos de alugar um ônibus e levar o maior
número de pessoas possível. Vinhetas nas rádios e nas televisões, outdoors
espalhados pelo estado prometiam curas e soluções. Durante as reuniões na
igreja, distribuíamos envelopes e fazíamos com que os fiéis colocassem ali o que
chamávamos de "oferta de sacrifício" (algo como o salário do mês) e
um pedido de oração, que o bispo levaria para Israel, a Terra Santa.
No
dia da tão propalada concentração, uma multidão já se aglomerava ao redor do
estádio muito antes de os portões serem abertos, às nove da manhã. Quando,
enfim, o Woodstock religioso começou, milhares de pessoas, pisoteando velhinhas
e crianças, travaram uma disputa agressiva para obter um bom lugar para ouvir o
bispo e receber dele os milagres, que era o que interessava àquela gente.
Naquela época em que o termo yuppie estava em voga, o bispo Macedo, portando
Rolex,Ray-ban, Mont Blanc e a sempre presente Hermès, subiu no palanque que
fora especialmente armado para ele no centro do gramado. Não conseguia esconder
sua alegria. O estádio da Fonte Nova estava completamente lotado. Repetia-se em
Salvador o fenômeno do Maracanã, no Rio.
Naquela
tarde, depois de recolher os envelopes com o "sacrifício" e com os
pedidos de oração, que seriam levados para o monte das Oliveiras, em Jerusalém,
o bispo pediu aos seus seguidores baianos uma oferta especial para comprar uma
emissora de rádio em Salvador, assim como seus fiéis cariocas o haviam
contemplado com a rádio Copacabana:
-
Será que. os cariocas têm mais fé que os baianos? - perguntou o bispo à
multidão.- NÃO! - a resposta retumbou como um trovão.
As
ofertas vieram em forma de dinheiro e joias. Passamos três dias trancados em
uma sala contando os sacos de dinheiro levantados no Fonte Nova. No final, o
dinheiro foi depositado na conta da Igreja, no Bradesco, em Salvador. O ouro
seria levado para o Rio de janeiro e transformado em barras.
Quando
eu era um simples fiel, não imaginava o que se passava nos bastidores, depois
que a cortina cai. Os atos de alguns pastores logo me levaram a descobrir que a
Igreja Universal nada mais era do que uma empresa com fins lucrativos como
qualquer outra na ciranda financeira. A única diferença era o produto vendido:
sal que tira vício, lencinhos molhados no "vinho curativo" --o
conhecido K-Suco--, água da Embasa, que dizíamos ter vindo do Rio Jordão,
azeite Galo, que dávamos ao povo como legítimo óleo ungido proveniente de
Jerusalém, e uma longa lista de outros produtos tão falsos quanto as gotas de
leite extraídos dos seios da Virgem Maria, que eram vendidas na Europa, nos
primeiros séculos, aos otários em busca de milagres.
Como
ser pastor era antes de tudo uma "vocação" e jamais uma
"profissão", não tínhamos vínculo empregatício com a Igreja
Universal. Nossos salários eram pagos em dinheiro, isentos de qualquer taxa ou
imposto. O valor desses salários variavam: cada caso era um caso nas leis do
Reino.
Apesar
de sermos estritamente proibidos de comentar nossos ganhos uns com os outros,
sabíamos da injustiça salarial. Pois enquanto dirigentes de igrejinhas de
periferia ganhavam salários minguados e insuficientes para sustentar a família,
os pastores notáveis trocavam de carro a cada ano e passavam fins de semana em
resorts acompanhados de suas belas mulheres trajando Chanel e portando bolsas
Luis Vuitton.
Ah
sim... quanto aos pedidos de oração que seriam levados para Israel - bem, eles
foram queimados na praia da Boca do Rio.
Mario
Justino é ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus e atualmente mora em
Nova York. O texto acima faz parte do livro Nos Bastidores do Reino: A
Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus.
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