Nossa sociedade tem dificuldades
graves para construir e nutrir amizades sólidas. Amizades profundas são uma
raridade. Entre homem e mulher, então, quase uma aberração. Fez alarde na mídia, entre ontem e
hoje, a notícia de que São
João Paulo II manteve
uma “relação
de grande proximidade“, ao longo de mais de 30 anos, com a filósofa
polonesa naturalizada norte-americana Anna-Teresa
Tymieniecka.
A
correspondência intercambiada entre o papa e a filósofa, segundo a mídia, teria
sido “mantida
em segredo” pela Biblioteca Nacional da Polônia durante anos.
A história
Eles se
conheceram em 1973. Karol Wojtyla era arcebispo de Cracóvia. Anna-Teresa viajou
dos Estados Unidos até a Polônia para conversar com o então cardeal sobre um
livro de filosofia que ele tinha escrito.
Pouco tempo
depois, começou a correspondência entre o cardeal e a filósofa, que decidiram
trabalhar em uma versão ampliada do livro. Os dois se encontraram a partir de
então muitas vezes e intensificaram a correspondência, que, naturalmente, com o
tempo, se tornava menos formal.
Em 1976, o
cardeal Wojtyla participou de um encontro católico nos EUA e foi convidado por
Anna-Teresa para ficar na casa de campo da família, em Vermont. Grande
apaixonado pela natureza, Wojtyla aparece em fotos daquele verão bastante
alegre e descontraído junto à família de Anna-Teresa.
Em setembro do
mesmo ano, ele escreve para ela:
“Minha querida Teresa, recebi as três cartas. Você
escreve que está arrasada, mas não consegui encontrar resposta para essas
palavras (…) No ano passado, já estava buscando uma resposta para essas
palavras: ‘Eu pertenço a você’. E, finalmente, antes de partir da Polônia,
encontrei uma forma: um escapulário. A dimensão na qual aceito e sinto você em
todo lugar em todos os tipos de situações, quando você está perto e quando está
distante”.
O teor dessas
cartas pode dar a entender que Anna-Teresa tinha se apaixonado pelo cardeal.
Esta é a opinião, por exemplo, de Marsha Malinowski, a comerciante de
manuscritos que negociou a venda das cartas para a Biblioteca Nacional da
Polônia. “Acho que isto se reflete completamente na correspondência”, conclui
ela, em entrevista à rede BBC.
Anna-Teresa
não foi a única mulher com quem o futuro papa João Paulo II manteve
correspondência e amizade. Desde a juventude, Karol Wojtyla cultivou uma
saudável relação de proximidade com várias amigas, entre elas Wanda Poltawska,
psiquiatra com quem trocou cartas ao longo de décadas.
O que causou
barulho na mídia no caso de Anna-Teresa foi a “intensidade pessoal” das
cartas e o fato de que a filósofa era casada. De fato, após o horror nazista e
a Segunda Guerra Mundial, ela tinha se mudado para estudar nos Estados Unidos,
onde se casou e teve três filhos.
Uma amizade intensa e familiar
O marido de
Anna-Teresa, Hendrik
Houthakker, também era amigo de João Paulo II. Hendrik era um
renomado economista de Harvard e, após a queda do comunismo, aconselhou o papa
sobre a economia dos países do Leste Europeu. O papa o homenageou pelos
serviços prestados.
Quando João
Paulo II foi diagnosticado com o mal de Parkinson, Anna-Teresa passou a
visitá-lo com frequência, além de lhe mandar flores e fotos da casa de campo de
Vermont, que tanto encantara o cardeal Wojtyla no verão de 1976.
Depois da
última visita do papa à Polônia, ele escreveu para Anna-Teresa sobre sua
pátria: “Nosso
lar comum; tantos lugares onde nos encontramos, onde tivemos conversas tão
importantes para nós, onde vivenciamos a beleza da presença de Deus“.
A mídia, os internautas e suas previsíveis interpretações
Uma amizade
cultivada tanto em família quanto em particular, na qual se vivencia e destaca
“a beleza da presença de Deus”… Hmmm, não parece uma realidade palpável para
boa parte da imprensa laica e dos seus leitores.
O barulho da
mídia (e dos internautas que distribuem suas doses de infantilidade em forma de
comentários) foi impulsionado, para variar, pelos “furores venéreos” típicos da
nossa “cultura” sexualmente frustrada e doente: o que pipocou em torno à
revelação da correspondência entre São João Paulo II e Anna-Teresa Tymieniecka
não foi a beleza da amizade, a vivência pessoal e intensa da espiritualidade,
um diálogo aberto sobre sentimentos e sua sublimação, a transparência afetiva,
os conteúdos filosóficos debatidos, a natureza, a família, a pátria, Deus. Não,
nada disso. O que pipocou, previsível e mediocremente, foram as pobres e
vulgares insinuações de algum possível escândalo sexual.
É verdade que
boa parte dos artigos fez a ressalva de que “não há sugestão alguma de quebra do
celibato por parte do papa“, mas também há insinuantes
martelamentos em aspectos como “a mulher era casada“. E se
fosse solteira? Não haveria, será, o mesmíssimo insinuante martelamento no fato
de que “a
mulher era solteira“? E se fosse viúva? Zzzzz.
Nossa
sociedade tem dificuldades graves para construir e nutrir amizades sólidas.
Amizades profundas são uma raridade. Entre homem e mulher, então, quase uma
aberração. Entre homem e mulher e sem sexo? Hahaha. Amizades capazes de
transparência afetiva e abertura filosófica e espiritual soam quase tão
alienígenas quanto a beleza da castidade e do celibato por parte de um homem
forte, jovem e saudável. E amizades em que há intercâmbio de correspondência,
para pessoas que mal sabem produzir uma linha sem erros de ortografia, parecem
ser, irremediavelmente, incompreensíveis.
Pobre mundo.
Ora pro nobis, São João Paulo II.
Fonte: http://pt.aleteia.org/
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