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Foto: Divulgação. |
Passados mais de um século da Proclamação da
República, a sociedade brasileira pergunta se os seus ideais e os seus
propósitos foram e têm sido realizados. A saber:
1. A igualdade de todas e todos perante a lei;
2. A isenção de privilégios de classes, grupos e
categorias sociais;
3. A livre expressão de ideias sem censuras e medos;
4. O acesso universal à educação, moradia, segurança e
saúde;
5. O exercício da cidadania plena (política e social) por
parte dos seus cidadãos e cidadãs;
6. O respeito às diferenças e à diversidade;
7. A distribuição igualitária de renda;
8. O Estado laico.
Olhando para a sua história repleta de tensões a resposta fica distante de
ser positiva. Foram ciclos de crises políticas e sociais causadas pelos
conflitos de interesses entre as elites dominantes e por tentativas de
exclusão de maior e efetiva participação política das classes subalternas e
médias, tanto no campo como na cidade. Ao todo foram sete constituições,
vários golpes e tentativas de golpes, uma guerra civil, pelo menos duas
ditaduras e cinco presidentes que não completaram o mandato (sendo que um
suicidou-se e dois saíram por impeachment).
A República herdou uma sociedade desigual, racista, sexista e marcada pelas
práticas de corrupção em todos os níveis, e esta herança ainda permanece,
sobretudo oprimindo os mais empobrecidos e as minorias. Mesmo havendo
avanços em todos os níveis, este processo se caracterizou como sendo
uma modernização conservadora, ou seja, moderniza-se mas se
mantém os privilégios e as desigualdades.
No entanto, foram as forças e as pressões oriundas dos movimentos sociais,
dos partidos políticos, dos sindicatos, das camadas médias urbanas e das
populações periféricas submetidas à violência e à desigualdade, junto com
as manifestações culturais ricas e plurais, que tornaram o Brasil uma
sociedade paradoxalmente alegre e criativa, com uma capacidade de superação
singular dos seus problemas mais agudos e estruturais.
Neste cenário, perguntamos: E os protestantes e evangélicos em relação
à República? Inicialmente, foram apoiadores propositivos à República.
Defenderam bandeiras como o voto feminino, a alfabetização universal e a
educação, a democracia, o estado laico e a liberdade religiosa,
influenciados pelo Evangelho Social das primeiras décadas do século XX.
Fundaram igrejas, escolas, universidades, hospitais e uma imprensa crítica,
inserindo no cotidiano outras práticas religiosas e sociais. De fato, em
coerência com a história e o legado teológico reformado, quem mais deveria
afirmar a res publica em seus propósitos e ideias mais humanos de
justiça e de igualdade seriam os protestantes e evangélicos.
No entanto, sobretudo após o golpe de 1964 e o regime militar, os
evangélicos, mesmo com exceções proféticas de lutas e resistências até
hoje, tornaram-se aliados, em sua maioria, a um projeto de república
excludente e mantenedor da desigualdade social. Esse posicionamento
coincidiu com o crescimento numérico exponencial no período da Nova
República (1988-2016), a conquista de espaço no campo político e midiático,
e a hegemonia de um discurso fundamentalista e autoritário.
E, contrariamente ao seu legado reformado de liberdade de pensamento e de
tolerância, os evangélicos em suas expressões eclesiásticas e manifestações
no espaço público (político, cultural e midiático), posicionam-se
reativamente contrários às necessárias mudanças e transformações sociais e
políticas, na direção de uma sociedade mais justa, equânime e
pacífica. Esta realidade evangélica mais ampla, entretanto, se contrapõe
às muitas ações e práticas invisíveis à grande mídia, por parte de igrejas
e de movimentos atuantes nas bases e nas periferias, servindo e cuidando
das pessoas que sofrem injustiças e violências.
Eis, portanto, um tempo de autocrítica, de revisitação dos pressupostos
reformados e de posicionamentos mais críticos ante as contradições de uma
república que ainda não aconteceu. Isto para que “corra o juízo como as
águas, e a justiça, como ribeiro perene” (Amós 5.24).
Brasil, 15 de novembro de 2016.
Lyndon Araújo Santos
Lundon
é pastor da Igreja Evangélica Congregacional de São Luis-MA, doutor em
História, professor do Departamento de História da UFMA, desde 1995. Membro
da FTL-Brasil. Natural do Rio de Janeiro, casado com Márcia Regina e pai de
três filhas.
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