A
humanidade já esteve a ponto de desaparecer. Foi depois da terrível erupção
vulcânica de Toba, na Indonésia, há 75.000 anos. Esta
enorme erupção lançou tal quantidade de materiais na atmosfera que causou
"efeitos comparáveis aos cenários de inverno nuclear". "A
população humana parece ter passado pelo gargalo da garrafa neste momento; de
acordo com algumas estimativas, caiu para cerca de quinhentas fêmeas
reprodutoras em uma população mundial de aproximadamente 4.000
indivíduos", explica Michael Rampino no livro Global Catastrophic Risks (Riscos
Catastróficos Globais). "Talvez este tenha sido o pior desastre que já
recaiu sobre a espécie humana, pelo menos se a gravidade for medida por quão
próximo o resultado esteve do terminal", destaca.
A
reportagem é de Javier Salas, publicada por El País,
06-11-2017.
É
mais provável que morramos no fim do mundo que em um ataque terrorista ou em um
acidente de avião
Segundo
a teoria da catástrofe de Toba, a cinza da erupção bloqueou a
entrada de luz solar e as temperaturas caíram rapidamente, tornando as
condições de vida extremamente difíceis, o que levou os seres humanos à beira
da extinção. Uma espécie hoje decisiva na história da Terra, capaz
de deixar marca na escala geológica, e que agora corre o risco de passar pelo
gargalo da garrafa de maneira semelhante, já que estamos a apenas dois minutos
e meio do apocalipse.
De
acordo com o relógio simbólico do fim do mundo,
criado pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, chegar à meia-noite
significa o abismo, e as condições atuais da humanidade nos levaram às 23h57 e
30 segundos. É o ponto mais próximo do cataclismo final, desde
que a ex-URSS e os EUA exibiram seu poderio
termonuclear em 1953. A instável e atrevida gestão do poder atômico mostrada
por Donald Trump, juntamente com as mudanças climáticas,
levou este painel de cientistas, que conta com 15 prêmios Nobel, a
adiantar o relógio — que em 1991 estava a 17 minutos do juízo final. Antes do
relógio ser criado, há 70 anos, ninguém poderia imaginar a humanidade se
autodestruindo, e a ideia de que a raça humana poderia desaparecer era tão
remota quanto um supervulcão ou um gigantesco meteorito.
Mas
vivemos em tempos voláteis, embora não vejamos isso. É mais provável que
morramos no fim do mundo, durante o hipotético evento que acaba com a
humanidade, do que em um ataque terrorista ou em um acidente de avião. Estamos
bem perto, segundo alguns dos acadêmicos dedicados a estudar os riscos
existenciais, aqueles que comprometem nossa viabilidade como espécie. Como
chegaremos em 2050?
Poucos
se dão conta de que a ameaça de um holocausto nuclear é muito maior hoje do que
foi durante a maior parte da Guerra Fria
“A
maioria das pessoas não está ciente do perigo”, afirma Phil Torres,
autor do recém-publicado Moral Bioenhancement and Agential Risks: Good
and Bad Outcomes, da Pitchstone (numa tradução livre,
Moralidade, Previsão e Prosperidade Humana: Riscos Existenciais). “Poucos se
dão conta de que a ameaça de um holocausto nuclear é muito maior hoje do que
foi durante a maior parte da Guerra Fria. E o
negacionismo climático continua sendo inaceitavelmente generalizado, em
especial entre os republicanos nos Estados Unidos”,
acrescenta Torres. Para este especialista, um dos maiores desafios
é encontrar a maneira de não paralisar a população ao difundir o que disse
recentemente Stephen Hawking: que
este é o momento mais perigoso da história da humanidade.
De
conscientizar sobre os riscos Teresa Ribera entende bastante.
É considerada uma das artífices do Acordo de Paris,
especialista nas mudanças climáticas, sem dúvida um dos maiores perigos que
teremos de combater em 2050. “É particularmente delicada a situação de
populações vulneráveis em países em desenvolvimento nos quais a falta de
solidariedade internacional e as dificuldades intrínsecas para fazer frente a
cenários de mudanças climáticas severas causam deslocamentos e sofrimento e,
com isso, instabilidade local e mundial”, observa Ribera, diretora
do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e as Relações
Internacionais.
Deter as mudanças
globais do clima
Ribera projeta dois cenários bem diferentes para
2050. Por um lado, um de mudanças climáticas intensas, sem mais redução de
emissões que a da inércia, com mudanças de uso de solo aceleradas e sem
estratégias de adaptação: “Estaríamos nos aproximando de um cenário Mad
Max: um mundo cheio de conflitos por acesso a recursos básicos, com
injustiças e fragilidades que alimentariam populismos e reações violentas. Um mundo
no qual a fragilidade dos ecossistemas e a virulência dos impactos das mudanças
climáticas dificultariam a segurança alimentar, inundariam zonas baixas
densamente povoadas, deixariam fora de serviço a infraestrutura básica de
mobilidade, energética ou de fornecimento de água, além de provocar verões de
cinco meses, muito mais dias acima de 40ºC e com mínimas não inferiores a 25ºC
e incêndios cada vez maiores e virulentos em climas mediterrâneos como o
espanhol”.
Stephen
Hawking acredita que este é o momento mais perigoso da história da humanidade
Por
outro lado, um cenário no qual adotaríamos todas as medidas para conseguir
uma economia baixa em carbono:
“Não poderíamos escapar de muitos dos efeitos que a inércia do sistema
climático nos impõe, mas, sim, evitar os mais graves, as enormes consequências
da falta de preparo e uma normalização progressiva para o futuro de nossos
netos”. Ribera acredita que nos movemos peto desse segundo
cenário, se bem que “é provável que não obtenhamos o melhor em redução de
emissões nem com a aplicação das medidas que nos ajudem a estar preparados para
os impactos”.
As
mudanças climáticas são a maior ameaça para a saúde do século XXI, segundo um
relatório da The Lancet e Nações
Unidas. Nas grandes cidades do planeta, as inundações severas se duplicarão
em 2050 enquanto 4 bilhões de pessoas sofrerão com problemas de acesso a água.
Nessa data, dobrará o número de mortes decorrentes do ar poluído em boa parte
dos países em desenvolvimento. As populações urbanas expostas aos furacões
chegarão a 680 milhões de pessoas. Mais de 1 bilhão de pessoas padecerá com as
ondas de calor (em 2015 foram 175 milhões), sendo particularmente letais para
crianças pequenas e idosos, que constituirão grande parte da população em
alguns países.
Se
as tendências atuais persistirem, em 2050 haverá mais quilos de plástico que de
peixes no mar. Nesse ano, milhões de pessoas em todo o mundo não poderão ter
acesso aos peixes como fonte básica de proteínas; pode ser que em 2048 já não
contemos com outros alimentos de origem marinha selvagem, segundo um estudo
publicado na Science. No entanto, será preciso aumentar em 70% a
disponibilidade de alimentos para satisfazer as demandas dos mais de 9 bilhões
de humanos povoando o planeta. A África terá que triplicar sua
produção agrícola para poder atender às necessidades de uma população que terá
duplicado, enquanto os rendimentos agrícolas cairão 20% em razão dos efeitos do
aquecimento. “Nos próximos 50 anos será necessário produzir mais alimentos no
planeta que os produzidos nos últimos 400 anos, com a restrição adicional de
garantir que os limites planetários cruciais para o meio ambiente não sejam
sobrepujados no processo”, resumia The Lancet.
Se
não houver intervenção contra as mudanças climáticas nos aproximaríamos de um
cenário Mad Max: um mundo cheio de conflitos por acesso a recursos básicos, com
injustiças e fragilidades que alimentariam reações violentas
Embora Torres considere
que hoje os riscos mais preocupantes sejam decorrentes das mudanças
climáticas e um conflito nuclear,
acredita que há “uma série de perigos ainda mais sinistros no horizonte”,
associados com tecnologias emergentes que poderiam permitir aos terroristas
criar novos tipos de patógenos ou construir grandes arsenais de armas,
inclusive os derivados de uma superinteligência artificial. Para 2050, este especialista
fala do risco de uma pandemia, do aumento de conflitos pelas mudanças
climáticas, da perda de biodiversidade mundial –“estamos nas primeiras
etapas do sexto evento de extinção maciça em 3,8 bilhões de anos, e a causa é a
atividade humana”. “Mas o risco existencial mais preocupante antes de 2050
envolve um ator maligno que usa biologia sintética ou nanotecnologia avançada
para infligir dano global à humanidade”, afirma. E acrescenta: “É bastante
inquietante imaginar pessoas como Ted Kaczynski [o Unabomber]
ou algum combatente apocalíptico do Estado islâmico tendo
acesso às tecnologias de amanhã”.
Os
teóricos dos riscos existenciais da humanidade falam dos perigos que
representam atores decisivos: desde o líder carismático de uma potência atômica
a um terrorista global, passando por um erro humano que provoque um desastre
inesperado. Sabendo que as decisões dos próximos 50 anos marcarão os próximos
10.000, há um ator que aparece como determinante; Donald Trump. “As
políticas climáticas imprudentes de Trump, sua retórica incendiária
sobre a Coreia do Norte e
o terrorismo islâmico estão contribuindo para uma situação de
segurança global mais precária”, afirma Torres, diretor do Projeto
para a Futura Prosperidade Humana. “Nunca estivemos em uma situação como
esta. Agora mais que nunca necessitamos de sabedoria e visão de futuro. No
entanto, temos Trump no Salão Oval, respaldado por
um poderoso partido político que continua ignorando as terríveis advertências
dos cientistas”, lamenta.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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