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Foto ilustrativa. |
Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão encaminha à PGR representação pela propositura
de arguição de descumprimento de preceito fundamental contra Decreto nº 9.685,
de 15 de janeiro de 2019. Novas regras comprometem a política de segurança
pública, destaca Procuradoria
O decreto nº 9.685, de 15 de
janeiro de 2019, amplia de modo ilegal e inconstitucional as hipóteses de
registro, posse e comercialização de armas de fogo, além de comprometer a
política de segurança pública - direito fundamental de todas as pessoas,
especialmente no tocante ao direito à vida.
A partir deste entendimento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
(PFDC), órgão do Ministério Público Federal, encaminhou nesta sexta-feira (18)
à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, representação pela propositura
de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra
o referido decreto.
Na exposição de motivos, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah
Duprat, e o PFDC adjunto Marlon Alberto Weichert ressaltam que o decreto usurpa
a função legislativa pelo Poder Executivo, cabendo à União a prerrogativa de
legislar privativamente sobre o tema. Além disso, questionam que o novo
regulamento enfraquece as atribuições da Polícia Federal quanto ao exame dos
fundamentos de necessidade de porte de arma na declaração, por parte do
requerente, desfazendo, assim, o regime de permissividade restrita.
A representação chama a atenção, ainda, para o fato de que pelas novas regras
fica presumido que todos os residentes - tanto de áreas ruais quanto urbanas -
podem solicitar o porte de armas de fogo alegando "efetiva
necessidade".
A quantidade de armas de fogo permitida por pessoa foi outro aspecto de
destaque na argumentação da PFDC. Embora o limite estabelecido seja de quatro
armas por cidadão, uma "efetiva necessidade" poderia autorizar a
aquisição de um número ainda maior de uso permitido. A ilegalidade se baseia,
nesse caso, na expansão do que está previsto no artigo 4º da Lei nº
10.826/2003, que sinaliza que cada aquisição de arma de fogo de uso permitido
deverá ser devidamente justificada. Ou seja, o dispositivo não proíbe a
aquisição de mais armas, mas exige, evidentemente, explicação concreta para
cada caso.
Quanto ao armazenamento, a respeito da inexistência de "cofre ou local
seguro com tranca" para guardar as armas em locais habitados por crianças,
adolescentes e pessoas com transtornos mentais - há também uma invasão indevida
dos limites da lei, especialmente a penal, já que o decreto prevê hipótese de
crime. Os procuradores ainda observam que o simples fato de possuir tais
recursos não significa que eles foram devidamente utilizados, ou seja, que
foram observadas as cautelas necessárias para impedir o empoderamento indevido
da arma de fogo por pessoas inaptas ao seu uso. Por outro lado, o requerente
pode adotar cautelas diversas, eventualmente de maior eficiência.
"A iniciativa de ampliar a posse de armas de fogo reforça práticas que
jamais produziram bons resultados no Brasil ou em outros países. Sua adoção sem
discussão pública, ademais, atropela o processo em andamento de implantação do
Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, fruto de longa discussão democrática
e caminho para uma redefinição construtiva do modo de produzir segurança
pública no País", ressaltam os procuradores.
Números da violência - Seja em
meio rural ou urbano, a posse de armas de fogo é um fator que representa de
forma expressiva o atual problema de segurança pública no Brasil.
Segundo o Atlas da Violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (FBSP), em 2016, o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517
homicídios. Isso equivale a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil
habitantes, ou seja, 30 vezes maior que os índices europeus. Desse total, 71,1%
dos homicídios foram por armas de fogo, índices próximos de países como El
Salvador (76,9%) e Honduras (83,4%).
O número de homicídios por arma de fogo, ainda de acordo com a publicação,
passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014, crescimento de 592,8%. Isso
sugere que, a despeito do Estatuto do Desarmamento, as armas de fogo continuam
sendo usadas em larga escala, gerando mais violência e insegurança.
Em 2017, segundo informações do Grupo Gay da Bahia (GGB), 445 LGBT+ (lésbicas,
gays, bissexuais e transexuais) morreram no Brasil vítimas da homotransfobia.
Ainda conforme a organização, a maioria dos crimes foi cometida por uso de
armas de fogo (30,8%).
A gravidade da situação se expande para a área rural. A Comissão Pastoral da
Terra (CPT) contabilizou, em 2017, 71 pessoas assassinadas no campo, o que
representa uma morte violenta a cada cinco dias em razão de conflitos por terra
- o maior índice já registrado desde 2003, quando foram computadas 73 vítimas.
O número é 16,4% maior em relação a 2016, quando houve o registro de 61
assassinatos, e é praticamente o dobro dos casos mapeados em 2014 (36 vítimas).
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